Palácio do Sobralinho
15 Março 2014, 22:00
M/12
“Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi, através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso que é tanto, é pouco para o que eu quero.”
Álvaro de Campos
É um poema da fase sensacionista de Álvaro de Campos. Aborda angústias, pensamentos, desejos e recordações que arrebatam o ser humano durante toda a sua existência. Entre vida e morte mergulha num diálogo interior, coloca a questão da identidade, bifurcando-se em busca do auto-conhecimento. Até às últimas consequências.
O AUTOR E O TEXTO
Fernando Pessoa, o poeta fingidor, foi na verdade profundamente sincero na sua recusa de uma unidade existencial e no assumir do ser humano como um fluxo contínuo, uma instabilidade permanente. Deixou uma confusão de vozes, os heterónimos, que refletiam o caos que sentia dentro de si e no universo que o rodeava. O seu brincar aos heterónimos foi uma forma de pôr em evidência a ficção das nossas próprias vidas, a nossa irrealidade. À vida chama-lhe espetáculo, intervalo, interlúdio, breves momentos de uma peça teatral passados entre uma realidade e outra que ignoramos. A heteronímia servia-lhe como fiel lembrança da sua fragmentação e da transitoriedade existencial, de acordo com Richard Zenith, mas era também uma viagem de auto conhecimento através de seres inventados.
“Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890,é engenheiro naval (por Glasgow), é alto(1,75 de altura), magro, cara rapada cabelo liso.(…) fez uma longa viagem ao Oriente, viveu e trabalhou em Inglaterra, onde cortejava rapazes e mulheres, finalmente regressou a Portugal, fixando residência em Lisboa.(…) pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à minha vida.” carta de F. Pessoa
Segundo os relatos de Pessoa, Álvaro de Campos seria um pagão por revolta a quem nada bastava ou satisfazia. Para Campos as coisas devem simplesmente ser sentidas.
Poeta do urbano e febril, Álvaro de Campos na “Passagem das Horas” (poema Sensacionista e de influência Futurista) faz a exaltação do mundo moderno, do progresso técnico e científico, da industrialização e da evolução da humanidade. Mas ao longo de todo o texto, as perguntas e as respostas misturam-se no interior do eu em luta consigo mesmo, apresentando uma personalidade complexa e expondo a fratura do homem contemporâneo.
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos é encenador e ator de si próprio, o supremo despersonalizado para poder construir. No teatro mental de Álvaro de Campos, que é a Passagem das Horas, sublinha-se a faceta transfronteiriça do ator, entre a sua face e a face do outro: “Multipliquei-me, para me sentir / Para me sentir, precisei sentir tudo, / Transbordei, não fiz senão extravasar-me, / Despi-me, entreguei-me, / E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.”
Com Peter Michael e Raquel Dias
Encenação Raquel Dias
Assistência de encenação Kari Jeppesen
Desenho de luz Carlos Ramos
Música José Salgueiro e Guilherme Salgueiro
Figurinos Manuel Moreira
Co-produção Voz Humana / Centro Cultural Malaposta