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O CORVO

O CORVO
de Luís Soldado e Alexandre Lyra Leite
a partir de Edgar Allan Poe

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais
– Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Edgar Allan Poe, ‘The Raven’, 1845

Através de uma notável arquitectura poética, que se assemelha a uma composição musical, Edgar Allan Poe criou um universo sombrio, onde um homem enfrenta a perda, o medo, a solidão e o vazio.

O carácter dramático e intrinsecamente musical do poema “The Raven”, construído a partir de um raciocínio profundamente matemático e traduzido de forma exemplar por Fernando Pessoa, serviu de inspiração e base estrutural para a composição desta ópera de câmara, que explora a forte dimensão visual e sonora de um dos mais extraordinários textos de Allan Poe.

Ficha Artística / Técnica

Música Luís Soldado
Poema Edgar Allan Poe
Tradução Fernando Pessoa
Encenação Alexandre Lyra Leite
Direcção Musical Rui Pinheiro
Barítono Rui Baeta
Bailarina Yara Cléo / Sara Chéu
Acordeão António Correia
Clarinete Ruben Jacinto
Violoncelo Tiago Vila
Electrónica em tempo-real José Grossinho
Concepção visual Alexandre Lyra Leite, Rita Leite
Figurinos Rita Álvares Pereira
Design gráfico e Ilustrações Rita Leite
Montagem e Assistência técnica Fernando Tavares, Jorge L. Santos, Paulo Antunes
Produção executiva Rita Leite
Produção Inestética companhia teatral
Projecto financiado por Secretaria de Estado da Cultura / DGArtes, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira
Apoios Arte Franca – Publicidade, Imarte – Design

Récitas

Torres Vedras
Teatro-Cine de Torres Vedras, 2 Fev 2018
Montijo
Cinema-Teatro Joaquim d’Almeida, 20 Out 2017
Vila Franca de Xira
Fábrica das Palavras, 4 Fev 2017
Braga
Theatro Circo, 19 e 20 Jan 2017
Lisboa
28ª Temporada de Música em São Roque / SCML
Mosteiro de Santos-o-Novo, 23 Out 2016
Montemor-o-Novo
Festival de Teatro de Montemor-o-Novo
Cine-Teatro Curvo Semedo, 8 Out 2016
Vila Franca de Xira
Fábrica das Palavras, 15 Jul 2016 (lançamento CD)
Palácio do Sobralinho, 10 a 20 Dez 2015 (estreia)

60 min | M/12

fotos © Badio Magazine / Inestética
ilustrações © Rita Leite

IMPRENSA

O lado negro de Poe brilha no Theatro Circo
BADIO Magazine Cultural de Braga, Jan 2017

Há algumas boas razões para não perder o espectáculo “O Corvo” esta quinta e sexta no Theatro Circo. Aqui fica uma mão cheia:

1. É a primeira vez, desde a reconstrução do Theatro circo em 1999 que uma ópera de câmara sobe ao palco principal da sala bracarense. Esta versão “light” da ópera tradicional está destinada a espaços mais pequenos e sem a “artilharia pesada” das grandes orquestras, o que não diminui de modo algum o espectáculo, proporcionando uma experiência mais próxima e intensa ao espectador.

2. Esta é uma rara oportunidade de ver uma ópera cantada em português, algo pouco frequente num género dominado pelo alemão e italiano e num país onde são escassos os espectáculos deste tipo.

3. O poema de Edgar Allan Poe traduzido por Fernando Pessoa. Há obras que se confundem com os seus criadores e “O Corvo” é não só uma das mais belas e geniais criações do escritor americano mas certamente aquela que ficará para sempre gravada no adn do autor. O poema apresenta características únicas em termos de métrica, fonética e musicalidade tendo constituído um desafio acrescido aos tradutores, tarefa só ao alcance de génios como Fernando Pessoa que conseguiu com brilhantismo e mestria fazer a tradução mantendo intactas as características que tornaram este poema único.

4. O tema. A ave negra e agoirenta que dá nome ao poema de Poe carrega um peso simbólico significativo. É um animal inexpressivo e misterioso cuja sinistra presença afecta os presentes. “O corvo” convida-nos à reflexão sobre a mortalidade, a solidão, o vazio e a experiência perturbadora de enfrentar a inexorabilidade da nossa finitude. Pela representação e voz de alguém que se confronta com a morte somos inevitavelmente arrastados para este universo sombrio de sofrimento e revolta de quem fita o abismo e materializa em palavras um sentimento transversal à condição humana.

5. A qualidade inquestionável da produção e dos seus intervenientes. Do virtuosismo do barítono Rui Baeta ao rigor e criatividade do encenador Alexandre Lyra Leite, passando pela conjugação de talentos de toda uma equipa orientada para o mesmo fim, “O Corvo” que sobe ao palco principal pela mão da companhia Inestética é a mais perfeita e acessível viagem que podemos fazer ao universo obscuro e fantasmático da obra de Edgar Allan Poe.
http://badio.pt/artes/lado-negro-poe-brilha-no-theatro-circo/

Rui Baeta canta ópera sobre “O Corvo” de Poe
por Bernardo Mariano / Diário de Notícias, Out 2016

Pela primeira vez, e à 28.ª edição, a Temporada Música em São Roque integra ópera na sua programação. Será amanhã à tarde (às 16.30), no Mosteiro de Santos-o-Novo, com “O Corvo”, de Luís Soldado, “ópera de câmara para barítono, bailarina e ensemble de 4 elementos”, que tem por libreto o famoso poema de Edgar Allan Poe, na tradução de Fernando Pessoa. No princípio, num absoluto silêncio, há um homem tentando desfazer-se de um corpo: “é a encenação da necessidade do protagonista de se libertar daquela memória, daquela mulher”, explica-nos Alexandre Lyra Leite, diretor da Inestética-Companhia Teatral, ideólogo do projeto e encenador desta produção, que já passou por Vila Franca e Montemor-o-Novo e chega amanhã a Lisboa, ali bem perto de Santa Apolónia.

O Corvo, publicado em 1845, é uma das criações máximas de Edgar Allan Poe e exemplo do Romantismo tétrico e mórbido. “Tenho desde sempre um fascínio por Poe, presença recorrente no meu trabalho, e por este poema em particular, que conheço desde a adolescência, pois tem um lado fantasmático que liga muito com o meu percurso criativo”, conta Alexandre. “Pensei logo no Luís Soldado para compôr e no Rui Baeta [barítono] para cantar”. “É um texto dificílimo, porque é muito hipnótico e com muitas repetições!”, confessa Rui Baeta. Por seu turno, Luís Soldado, fala de “o maior desafio e o maior receio” a respeito da musicalidade interna do poema – “como vou mexer naquilo?”, lembra-se de se ter perguntado. Desafio avolumado porque “nunca tinha escrito um monodrama [ópera com um só personagem] e este tem quase uma hora de duração, o que é raro em monodramas!” Vetor importante foi a inteligibilidade do texto: “quis que o texto passasse o mais claro possível para o público”, refere Luís, nisso indo ao encontro de algo enunciado por Alexandre: “confrontar o público com algo a que não está habituado: ouvir ópera em português, anulando a distância da língua”. Já Rui fala de “um ritmo musical genericamente lento, que permite perceber como o texto é “encorpado” e habitado”. Para isso concorrem ainda, diz, “os vários registos que me são pedidos: há o falado, o estilo recitativo e há o cantado, que é 95% dos casos e que alcança mesmo, por vezes, um lirismo pós-verista”.

Para o compositor, “a ópera é sempre uma tensão entre o texto e a música – e a música tem que ganhar!” Para O Corvo, Luís refere que Alexandre lhe pediu “um ambiente que fosse um misto de Harry Potter e Tim Burton”. Antes de se lançar na escrita, acrescenta, “fiz pesquisa de bandas sonoras de filmes de terror atuais, para ver o que se está a fazer”. Esse universo deixou algo: “o que compus quase podia ser música para filme, se não fosse a voz lírica”.

Em termos musicais, “há um crescendo contínuo até um clímax já perto do final, após o que há uma rápida resolução”. Para ele, esse crescendo reflete “o acumular de tensão dentro da própria personagem, cada vez mais angustiado e atormentado, num clima cada vez mais opressivo”.
O clímax, diz Alexandre, “é o momento de maior desvario e descompensação do protagonista”. Já a resolução lê-a como “o entendimento de que é inútil [tentar esquecer a falecida amada] e a aceitação do seu destino”.

Atenção especial mereceu a expressão recorrente ao longo do poema: “Nunca mais!” – “É cantado com variações de intenção, mas a ideia é que comece gradualmente a incomodar, tornando-se mais assertivo e definitivo, pois desde a primeira vez quer dizer a mesma coisa: “Tu não tens salvação!””, interpreta Rui. Já Luís assume com humor: “Não resisti à “tentação” de associar um Leitmotiv [motivo condutor] a essas palavras”. Por sua vez, Alexandre explicita a solução cénica: “A personagem está presa num espaço que é uma cama-campa de folhas secas, mas que é um espaço interno, interior. É uma ilha, uma tumba de que ele não consegue escapar. No final, ele percebe que está condenado a viver com a presença daquele corvo – que mais não é senão a “versão negra” da sua amada que regressa para o atormentar – até ao (seu) fim.”
http://www.dn.pt/artes/interior/rui-baeta-canta-opera-sobre-o-corvo-de-poe-5456442.html

Nevermore
Em Viagem [blog], F. S. Chambel, Jan 2016

“Numa noite escura e fria de inverno, este era o espetáculo ideal para se ver num palácio antigo e grave como o do Sobralinho. (…)

Depois da espera no pátio, fomos entrando, com curiosidade, nos vastos aposentos do palácio. O público, composto por pouco mais de meia centena de pessoas, sentou-se em volta de uma sala que dava para a fachada principal do edifício. No chão, havia um tapete de folhas tristes e outonais que conferia ao cenário um tom de melancolia. As luzes apagaram-se e a pequena orquestra começou a tocar uma espécie de melopeia triste (Ruben Jacinto no clarinete, António Correia no acordeão e Tiago Vila no violoncelo, apoiados pela eletrónica em tempo-real de José Grossinho). De repente, abriu-se a porta e entrou um homem na sala com a mulher morta nos braços. No poema, a mulher chamava-se Lenore (um nome escolhido propositadamente por Poe para rimar com Nevermore), mas Fernando Pessoa, mais preocupado com a rima em português, eliminou simplesmente o nome e deixou ficar a palavra amada; (…)

Rui Baeta, como barítono, deu voz àquele que, no poema, se dilacera com a morte da mulher amada. Viril, encorpada e possante, a voz foi um instrumento extraordinário na dramatização da dor e no confronto com a irredutibilidade do corvo. (…)

Sara Chéu, num maravilhoso encanto coreográfico, desdobrou-se nas outras duas personagens: primeiro, foi a bela e frágil mulher que jazia morta; depois, tornou-se no negro e funesto corvo que se erguia fúnebre. No poema havia um momento em que o corvo pousava sobre o busto alvo de Palas (que era a deusa Atena para os gregos e Minerva para os romanos). Mas, em palco, tal momento seria muito difícil (se não mesmo impossível) de representar. Assim, substituiu-se o busto da deusa da sabedoria pela ampla lareira da sala, onde a dançarina se aninhou e coreografou os movimentos do pássaro. A solução encontrada não permitiu evidenciar um dos efeitos estéticos do poema (o de contrastar a alvura do mármore da estátua com a negrura da plumagem da ave), mas talvez tivesse sido a mais adequada, face aos recursos existentes. No final, revelou-se a verdadeira natureza do corvo, ainda que algumas pessoas possam ter saído do palácio com uma sensação de estranheza perante o espetáculo. O corvo era o mensageiro, o arauto da desgraça que vinha do Além. O que ele proclama ao homem que lamenta a morte da amada é que não há retorno possível. A morte é inevitável e a dor irreparável. Tudo o que resta ao pobre amante é o árido caminho da solidão e talvez o abismo da demência.”

O Corvo, Uma Ópera De Camara
por Rui Manuel Sousa / Artes & Contextos, Fev 2017

The Raven o poema de Edgar Allan Poe traduzido para português por Fernando Pessoa, adaptado para ópera de câmara e apresentado ao vivo com um cantor lírico, uma bailarina e três músicos em palco!

O formato é sui-generis, mas sem dúvida alguma que se trata de uma ópera – canto lírico com música ao vivo e envolvência teatral. Assistimos a este espetáculo numa das salas comuns do moderno edifício “Fabrica das Palavras” em Vila Franca de Xira e, com o público arrumado de forma um pouco caótica, a sala estava preenchida e as cadeiras não chegaram para todos.

O espetáculo começou com a entrada dos três músicos, um clarinete, um acordeão e um violoncelo, uma intro melancólica que ajudou a preparar o público para a entrada sinistra do protagonista, um homem solitário numa noite de inverno, traz nos braços a sua amada já morta (O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!(1)). Ele deixa-a no chão cheio de folhas caídas e adormece num cadeirão, e enquanto dorme ela ergue-se e dança nos seus sonhos. Mais tarde, numa outra noite, ela volta como um corvo de plumas negras e de bico em riste, vem para habitar o medo deste homem só e vazio. O medo e a solidão assistem à interpretação do poema em canto lírico, muito diferente do ato da sua simples leitura. Assim cantado, o poema ganha vida, corpo, podemos sentir o ator/barítono a declamar/cantar o poema tornando-o numa espécie de ária. A magia acontece, o poema já não é só apenas um poema, é algo muito maior.

Somos surpreendidos pela diversidade dos elementos usados, as folhas outonais (em grande quantidade) espalhadas pelo chão – parte da ação é amplificada na interacção a partir do som do seu restolhar – a iluminação e a base sonora de caráter electrónico (lançado em tempo real) juntas temporizam a acção, emocionalmente funcionando como suporte à espaçada interpretação musical do poema.

A janela que dá para a rua e que se encontra por detrás da boca de cena faz também parte do cenário, podíamos ver a chuva a bater nas vidraças enquanto assistíamos ao decorrer da ópera, chovia nessa noite e a própria chuva ajudou a criar o ambiente misterioso e macabro que tanto caracterizam a obra de Edgar Allan Poe.

Produzido pela Inestética Companhia Teatral, este espetáculo veio a cena a primeira vez em “nais de 2015, esteve 10 dias consecutivos em cena no Palácio do Sobralinho, passou depois Festival de Teatro de Montemor-o-Novo, pela 28a Temporada de Música em São Roque e pelo Theatro Circo em Braga.

Aproveitamos a ocasião para assinalar que estará na calha uma abordagem similar ao poema Tabacaria de Fernando Pessoa, com a estreia apontada para novembro deste ano.

A solidão de “O Corvo” invade o Theatro Circo
por Mafalda Oliveira / RUM – Rádio Universitária do Minho, 19 Jan 2017

Esta quinta e sexta-feira “O Corvo” invade o Theatro Circo. Uma ópera de câmara que se baseia no poema homónimo de Edgar Allan Poe, traduzido por Fernando Pessoa. O texto conta a história de um homem que enfrenta a perda, o medo, a solidão e o vazio. Um espectáculo dramático, que é protagonizado por Rui Baeta e encenado por Alexandre Lyra Leite.

À RUM, o protagonista explicou que a história de “O Corvo” retrata “o momento da vida de um homem que está triste e sozinho porque perdeu a sua amada”. “Ele entregou-se à solidão, à saudade, à tristeza e ao luto. Numa noite de inverno, ouve uns barulhos estranhos, num sítio onde havia aquela ideia da paz podre, do zero, o nada acontece, o peso da solidão. Na verdade, os barulhos são feitos pelo Corvo”, revelou.

Um poema “negro” e que retrata a saudade. “Reproduz um ambiente negro, bastante oitocentista e muito pesado. O corvo começa a manifestar-se e a ameaçar o homem. Numa espécie de delírio, ele tenta entrar em diálogo com o corvo, que responde, “nunca mais” – a escolha de Fernando Pessoa para a frase “Never More”. Refere-se à incapacidade de ele se libertar do peso da saudade e do luto da amada”, conta Rui Baeta.

Em palco, conjuga-se a música de Luís Soldado e a tradução de Fernando Pessoa, num clima “hipnótico”. A Rui Baeta, que canta, juntam-se quatro músicos em palco, com violoncelo, clarinete, acordeão e electroacústica. “Não há um maestro. Com toda a complexidade, é tudo muito frágil”, admite o protagonista.
www.rum.pt/news/a-solidao-de-o-corvo-invade-o-theatro-circo

Conversa Fora do Palco, Theatro Circo, Jan 2017
Moderação de Paulo Brandão (Diretor Artístico do Theatro Circo)
Com Rui Baeta (Barítono) e Alexandre Lyra Leite (Encenador)

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